sábado, 1 de junho de 2013

SOBRE O SUTRA DO CORAÇÃO (PRAJNA PARAMITA HRIDAYA SUTRA)

texto compilado por Karma Tenpa Dharguye


O mundo de destinos miseráveis é comparável a um grande oceano, e os sentimentos e pensamentos dos seres vivos à ausência de margem. Eles são ignorantes e não sabem que as ondas crescentes de inconsciência são as causas da ilusão e das ações kármicas que resultam no ciclo infinito de nascimentos-e-mortes. Seus sofrimentos são inexauríveis e eles são incapazes de atravessar o oceano amargo da mortalidade. Portanto, isto é chamado de a outra margem.Buda usou o brilho de sua grande sabedoria para iluminar e quebrar as paixões, e para por um fim a todos os sofrimentos para sempre. Isto conduz à eliminação completa dos dois tipos de morte [natural e violenta] e a saltar do oceano de misérias para a realização do nirvana. Portanto, é chamada de a outra margem.

O coração mencionado é o coração da grande sabedoria que alcança a outra margem. Não é o coração humano que os homens mundanos usam para pensar erroneamente. O homem ignorante não sabe que fundamentalmente possui o coração da luz brilhante da sabedoria. Ele considera como real o inchaço de músculos ligados à carne e ao sangue, e reconhece apenas as sombras resultantes do pensamento errôneo e do apego, estimulado pelas circunstâncias. Assim os pensamentos se sucedem uns aos outros em sua cadeia incessante, sem um único deles voltar a luz para si mesmo, para o auto-reconhecimento. Apenas o Buda estava consciente da verdadeira sabedoria fundamental que pode iluminar e quebrar o corpo e o coração dos cinco agregados, que são não-existentes e cuja substância é inteiramente vazia. Portanto, ele saltou da aparência e alcançou a outra margem instantaneamente, cruzando assim o oceano amargo. Como teve pena dos homens deludidos, ele usou esta porta para a iluminação - que experimentou pessoalmente - para abri-la e para guiá-los, de modo que cada homem possa estar consciente de que a sua sabedoria é fundamentalmente auto-possuída, de que seus pensamentos errôneos são basicamente falsos e de que seu corpo e coração são inteiramente não-existentes. Então ele poderá se erguer do oceano dos sofrimentos e atingir o êxtase do nirvana. Foi por isto que ele expôs este sutra.

Avalokiteshvara ((em sânscrito Avalokiteśvara, "Aquele que enxerga os clamores do mundo"; em tibetano Chenrezig) , o bodhisattva da verdadeira liberdade, compreende através da profunda prática da grande sabedoria que o corpo e os cinco agregados são apenas o vazio, e através desta compreensão ele traz ajuda a todos os que sofrem.




Ao ouvir do Buda sobre esta profunda sabedoria, este bodhisattva meditou sobre ela e a praticou usando sua sabedoria para fazer uma introspecção nos cinco agregados, que são vazios tanto interna quanto externamente, resultando na realização de que o corpo, a mente e o universo não existem realmente, em um salto súbito tanto sobre o mundano quanto sobre o supramundano, na destruição completa de todos os sofrimentos e na aquisição de uma independência absoluta. Já que o bodhisattva pode se liberar por meio disto, cada homem pode confiar e praticar nela.Por esta razão, o Honrado-pelo-mundo [Buddha Shakyamuni] falou para Shariputra apontar a maravilhosa atuação de Avalokiteshvara, a qual ele queria que todos os outros conhecessem. Se fizermos a mesma contemplação, realizaremos em um instante que nossos corações basicamente possuem a luz da sabedoria, tão vasta, extensa e penetrante que brilha através dos cinco agregados que são fundamentalmente vazios.Após esta realização, onde os sofrimentos não poderiam ser aniquilados? Onde os grilhões do karma seriam algemados? Onde estariam os argumentos obstinados sobre o ego e a personalidade, sobre o certo e errado? Onde estaria a discriminação entre falha e sucesso, entre ganho e perda? E onde estariam os obstáculos das coisas como riqueza e honra, pobreza e desonra?

Shariputra!

Este era o nome de um discípulo do Buda. Shari é o nome de um pássaro com olhos muito brilhantes e penetrantes. A mãe dele tinha os mesmos olhos brilhantes e penetrantes, e foi chamada com o nome do pássaro. Então o próprio nome dele era o filho putra de uma mulher que tinha olhos do shari. Entre os discípulos do Buda, ele era o mais sábio. Portanto Shariputra foi chamado propositalmente para realçar o fato de que este ensinamento poderia ser dado apenas a um ouvinte sábio.

A forma não difere do vazio, nem o vazio da forma. A forma é idêntica ao vazio e o vazio é idêntico à forma. Assim também são os cinco agregados com relação ao vazio.

Isto foi dito a Shariputra para explicar o significado da vacuidade dos cinco agregados. A forma foi apontada primeiro. Esta forma é a aparência do corpo que os homens consideram como sua posse. É produzida pela cristalização de seu firme e sofrível pensamento errôneo. É causada por manter o conceito de um ego, conceito este que é o mais difícil de quebrar.Agora, no começo da meditação, a atenção deve ser dada a este corpo físico que é uma combinação fictícia de quatro elementos e que é fundamentalmente não-existente. Já que a sua substância é inteiramente vazia tanto por dentro quanto por fora, não estamos mais confinados dentro deste corpo e, portanto não temos impedimentos quanto ao nascimento-e-morte, assim como ao ir-e-vir. Este é o método para quebrar a forma. Se a forma é quebrada, os outros quatro agregados podem, da mesma maneira, estarem sujeitos à introspecção profunda.

O ensinamento sobre a forma que não difere do vazio tem o objetivo de quebrar a visão do homem mundano de que a personalidade é permanente [eternalismo]. Como os homens mundanos acham que o corpo físico é real e permanente, eles fazem planos para um século sem realizar que o corpo é irreal e não-existe, que está sujeito às quatro mudanças [nascimento, velhice, doença e morte] de momento a momento, sem interrupção, até a velhice-e-morte, com o resultado último de que ele é impermanente e de que finalmente retornará ao vazio. Este é ainda o vazio relativo, em relação ao corpo e à morte, e não alcança ainda o limite da lei fundamental [o vazio absoluto]. Como a forma ilusória, feita de quatro elementos, basicamente não difere do vazio absoluto, o Buda disse, "a forma não difere do vazio", o que significa que o corpo físico fundamentalmente não difere do vazio absoluto.

Quando o Buda disse, "o vazio não difere da forma", sua intenção era a de quebrar o conceito de aniquilação [niilismo]. Significa que o vazio absoluto não é fundamentalmente diferente da forma ilusória, mas não é um vazio relativo e aniquilador em oposição à forma. Isto significa que a grande sabedoria é o vazio absoluto da realidade. Por quê? Porque o vazio absoluto é comparável a um grande espelho, e todos os tipos de formas às aparências refletidas nesse espelho. Se realizarmos que estes reflexos não estão separados do espelho, prontamente entenderemos que "o vazio não difere da forma".

Como o Buda estava preocupado que os homens mundanos pudessem confundir estas duas palavras - forma e vazio - como sendo duas coisas diferentes, e de que na visão de sua igualdade eles pudessem não ter uma mente imparcial em sua contemplação, ele identificou a forma e a vacuidade uma com a outra na frase "a forma é idêntica ao vazio e o vazio é idêntico à forma".

Com a contemplação correta feita de acordo e com a realização resultante de que a forma não difere do vazio, não haverá avidez por som, forma, riqueza e ganho, e nenhum apego às paixões dos cincos desejos surgidos dos objetos dos cincos sentidos - às coisas vistas, ouvidas, cheiradas, degustadas ou tocadas. Isto é o salto do estágio do bodhisattva para a ascensão instantânea ao estágio de Buda. Esta é a outra margem.

Shariputra, toda a existência é vazia, não há nem início nem fim, nem pureza nem impureza, nem crescimento ou declínio. Portanto, no vazio, não há agregados; não há olho, ouvido, nariz, língua, corpo e mente; não há forma, som, odor, sabor, toque e objeto do pensamento; não há conhecimento, ignorância, ilusão e fim da ilusão; não há sofrimento, declínio e morte, fim do sofrimento e morte; não há conhecimento, ganho e não-ganho.

Esta é uma explicação exaustiva da grande sabedoria para descartar todos os erros. O vazio real pode limpar todos os erros porque é puro e claro e não contém uma única coisa, pois dentro dele não há rastros dos cinco agregados e assim por diante.

Como o reino do Buda é como o vazio e nada têm a se confiar, se a busca do estado búdico confiar numa mente que procura o ganho, o resultado será falso porque, dentro da substância do vazio absoluto, fundamentalmente não há coisas como sabedoria e ganho, pois o não-ganho realmente é o ganho real e último.

Como não há ganho, os bodhisattvas que confiam nesta sabedoria que vai além, não têm máculas em suas mentes, e uma vez que não têm máculas, eles não têm medo, são livres das idéias contrárias e delusivas, e atingem o nirvana final.

Uma vez que todas as coisas estão fundamentalmente na condição do nirvana, se a meditação for feita enquanto confiarmos no sentimento discriminativo e no pensamento, a mente e os objetos se amarrarão um ao outro e nunca poderão ser desemaranhadas dos ávidos apegos resultantes, que são todas as máculas. Se a meditação for feita por meio da grande sabedoria, e a mente e os objetos como sendo não-existentes, todos os seus contatos resultarão apenas em liberação. Como a mente não tem mácula, não pode haver medo do nascimento-e-morte. Como não há medo do nascimento-e-morte, tanto o medo do nascimento-e-morte e a busca do nirvana são idéias contrárias e delusivas.

Nirvana significa calma perfeita; em outras palavras, a eliminação perfeita das cinco condições fundamentais da paixão e delusão, e de alegria eterna na calma e extinção da miséria. Isto significa que apenas descartando todos os sentimentos de "santos" e "pecadores" é que poderemos experimentar uma entrada no nirvana. O desenvolvimento do bodhisattva feito por qualquer outro método não seria correto.

Todos os buddhas do passado, do presente e do futuro obtêm a visão completa e a iluminação perfeita confiando na grande sabedoria. Então sabemos que a grande sabedoria é o grande mantra sobrenatural, o grande mantra brilhante, insuperável e inigualável, que pode limpar verdadeiramente e sem falha todos os sofrimentos.

Não apenas os bodhisattvas praticaram, mas também todos os Budas dos três tempos se exercitaram para obter o fruto da iluminação completamente correta e perfeita. Tudo isto mostra que a grande sabedoria pode expulsar o demônio da aflição do mundo - por isso é o grande mantra sobrenatural. Como pode quebrar a escuridão da ignorância, a causa do nascimento-e-morte, é chamado de o grande mantra brilhante. Já que nada há nos mundos, mundano e supramundano que possa superá-lo, é chamado de o mantra insuperável. Como permite que os budas-mãe produzam méritos ilimitados, e já que nenhuma coisa mundana e supramundana pode ser igual a ele - apesar de ser igual a todos estes - é chamado de o mantra inigualável.

Por que a grande sabedoria é chamada de mantra? É apenas para mostrar a velocidade de sua eficiência sobrenatural, como uma ordem secreta no exército pode assegurar a vitória se for executada silenciosamente. O mantra pode quebrar o exército de demônios no mundo, comparável ao néctar que permite obter a imortalidade. Aqueles que o degustam podem dissipar o maior dos desastres, causado pelo nascimento-e-morte. Portanto, Buda disse, "Ele pode eliminar todos os sofrimentos". Quando disse que é verdadeiro e sem erro, ele queria dizer que as palavras do Buda não são enganadoras e que os homens mundanos não devem cultivar suspeita sobre elas, mas sim decidir praticá-las perfeitamente.

TADYATA OM GATE GATE PARAGATE PARASAMGATE BODHI SOHA

Antes do mantra ser ensinado, a grande sabedoria foi ensinada exotericamente, e agora foi exposta esotericamente. Aqui não há espaço para pensar e interpretar, mas a repetição silenciosa do mantra assegura rápida eficácia; isso se faz possível pelo poder inconcebível através do descarte de todo sentimento e da eliminação de toda interpretação. Os seres vivos deludidos usam-no para criar problemas por causa de seu pensamento errôneo. Apesar de o usarem diariamente, não estão conscientes dele. Assim, ignorantes de sua própria realidade fundamental, eles continuam passando inutilmente por todos os tipos de sofrimento. Não é uma pena? Se eles puderem despertar instantaneamente para si mesmos, poderão voltar imediatamente à luz, que há dentro de si mesmos. No momento de um pensamento, todas as barreiras dos sentimentos do mundo se quebrarão, como a luz de uma lamparina ilumina uma sala onde a escuridão existiu por mil anos. Portanto, não há necessidade de recorrer a qualquer outro método.Os homens mundanos estão andando por um caminho perigoso e vagando em um oceano amargo, mas ainda não querem olhar para a grande sabedoria. Realmente, suas intenções não podem ser adivinhadas! A grande sabedoria é como uma espada afiada, que corta todas as coisas que toca, tão afiadamente que elas nem sabem que foram cortadas. Quem, além dos sábios e santos, pode fazer uso dela? Certamente, não os ignorantes.


Han-shan, séc. VII

Fonte: http://www.nossacasa.net/shunya/default.asp?menu=1306